Foto: Leonil Junior |
A grande riqueza da 1ª
Folclorata, que acontece paralelamente à 27ª edição do Festival de Folclore de
Jequitibá, é o raro intercâmbio que realiza entre artistas que lutam para
manter a cultura tradicional brasileira viva. A vivência já está acontecendo com
cinco grupos, que começaram a se encontrar nesta quarta-feira, 9 de setembro,
em Jequitibá, Minas Gerais. Um deles é entre o Mestre Zé Limão, da Folia de Santos
Reis de Doutor Campolina, do povoado Lagoa Trindade, e a cantora mineira
Priscila Magela, de Pirapora. No primeiro dia, Priscila já avisou: “Se prepare,
Seu Zé, que vou seguir o senhor. Vou contar até quanto tempo fica no banheiro, pra
logo voltarmos a ensaiar e não perdermos um segundo”.
Zé Limão é uma grande
personalidade da Folia. Aos 81 anos, desde criança leva jeito pra coisa. Homem
de prosa fácil e pulso firme, nasceu José Leal Pereira em 27 de setembro de
1934. O Limão ganhou depois, de seu pai, o grande João Limão, que já o
carregava e de quem seguiu os passos na tradição. Foi ele quem fundou a Folia
de Reis em Lagoa Trindade, em 1949, mas a herança vem de muitas gerações
anteriores.
Antes de conhecer Seu Zé,
Priscila estava receosa. “Diziam que o Limão era porque ele era bravo, difícil.
Vim preparada. Mas encontrei uma pessoa tão doce, de azedo não tem nada, não”,
conta. “Já tenho um neto limãozinho”, diz Seu Zé. “O negócio agora é ver se ele
leva jeito pra folia. Tô vendo se animo algum deles pra ficar no meu lugar, a
ter coragem pra liderar”. Enquanto não enxerga o futuro Mestre Limão, escreve
em dois cadernos sua história e os segredos da Folia de Reis e do Congo, do
qual foi capitão até dois anos atrás. “De meus 11 filhos, que agora são 10,
tive quatro homens. Nenhum seguiu. A esperança são os netos se interessarem. Tô
cismado de não ficar nenhum. Por isso comecei a escrever”. Caso algum neto um dia
pegue gosto pelas tradições e Seu Zé já tiver partido desta vida, terá as
orientações anotadas pelo avô para guiá-lo.
A Folia de Santos Reis de
Doutor Campolina apresenta suas toadas todo fim e começo de ano, de 25 de
dezembro a 6 de janeiro, na época de Natal. As casas do povoado montam
presépios e recebem a visita da folia, que enche os lares com seu ritmo e
batida cadenciados, em uma espécie de encenação. O clima é de festa e
celebração ao nascimento e renascimento do menino Jesus, que traz esperanças ao
povo. Três reis magos fardados cantam e dançam, seguidos por batedores de
caixa, um porta-bandeira e cantadores, todos homens.
“Folia é alegria. É
festa, é Natal, é aniversário de Jesus. Se comemoramos o meu, o seu, por que
não da pessoa mais especial que já existiu no mundo?”, indaga Seu Zé. Há vezes
em que chegam nas casas e os anfitriões estão em luto e pedem para cantarem em
homenagem ao parente falecido. Quando é assim, respeitam e diminuem o ritmo e apresentam
as toadas sem dançar, como homenagem.
Foto: Magali Colonetti
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Irmandade na Folia
Seu Zé Limão ainda não
sabe quem irá substituí-lo na liderança da Folia, mas conhece muito bem quem o
acompanha desde menino: Mestre Geraldo é seu irmão e grande parceiro. “Éramos
em quatro irmãos. Um morreu com 21, outro com 60 e poucos. E desde pequenos eu
e Geraldo estamos juntos, trabalhando na roça, pescando, na Folia. Nunca
largamos um do outro”, relembra. Seu Zé Limão e Seu Geraldo lideram o grupo
juntos: o primeiro na viola e o segundo no acordeom. Com olhares e notas se
entendem na toada, seguindo um ao outro com os olhos e o coração, com uma
naturalidade bonita de ver, de quem faz isso a vida toda. Os irmãos se
completam.
“A Folia mais bonita é a
nossa, ela é a original mesmo”, se orgulha Seu Geraldo. Aos 8 anos, ele já
tocava viola e fundou a Folia dos Meninos em Lagoa Trindade. Ficou até os 14
anos, para depois passar ao grupo dos adultos. Seu Zé Limão já estava lá, é 10
anos mais velho do que o irmão. O talento está no sangue e se fixou nos dois,
mostrando-se em todos os momentos da vida. Seu Geraldo relembra com nostalgia
da época em que trabalhavam na lavoura e todos faziam festa durante a colheita.
“A gente cantava bonito, debaixo da chuva, com o chapelão de palha na cabeça
para proteger”, fala. “Agora, tem trator que faz o trabalho de 20 pessoas e não
existe mais isso”. Preocupado também com o futuro da Folia de Reis, tem como
grande orgulho o filho Henrique, que seguiu os passos artísticos do pai e forma
a dupla Armando Lopes e Henrique. “Mas em época de folia ele cancela todos os
shows e vem pra cá para nos acompanhar. Folia é família”.
Humildade e respeito
– Seu Zé, nunca fiz aula
de canto.
– Eu também não, Priscila.
Como é que chama isso?
– Autodidata.
Mestre e autodidata,
nenhum título ou conquista faz com que Seu Zé perca a humildade. Ela está entre
um causo e outro, nas histórias de santos que conta de hora em hora, mostrando sua
fé forte, e em suas atitudes. “Olha, a gente não pode achar que sabe mais do
que os outros. Eu sempre acho que os outros sabem mais do que eu. Assim, sempre
estou aprendendo”, ensina. “Sou uma pessoa muito simples. Quem fica famoso
começa a ficar meio estranho. A cada dia que passa eu quero aprender mais e vai
ser assim até o fim. Vou aprender até a morrer”, brinca, com a alegria da folia
que não deixa de lado.
Seu Zé Limão e Seu
Geraldo mostram que é preciso viver com respeito à tradição, à família, a Deus,
“Aquele que tudo criou e por ninguém foi criado”. Tudo isso com a alegria de
quem agradece por viver cada dia, por conseguir compartilhar com os outros a Folia
de Reis. A alegria também é de quem tem a experiência de aprender tanto com um
mestre como ele. Por quem se deixa contagiar. No domingo, 13 de setembro, vai
ser quase Natal em Jequitibá. E quem tiver a sorte de estar presente poderá vivenciar
a magia das toadas da folia e a esperança trazida por elas.
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